Almoço, sobremesa, café e depois chá

Larissa Seixas
3 min readJul 23, 2020

A água da pia caía forte sobre a panela de molho na tentativa de fazer o queijo se soltar mais fácil. Há pouco, ela tinha colocado toda sua habilidade de cozinheira num macarrão com tomate e bastante parmesão para um almoço que fez sozinha, na bancada da cozinha, e agora tinha que limpar a própria sujeira.

Eram dias difíceis, dias que a angústia rondava fazendo ela questionar todas as decisões que a levaram até ali. Não que tivesse tomado muitas decisões na vida. Nunca se arriscou buscando criar novas oportunidades, sempre lidou com o que a vida oferecia a uma mulher com inteligência mediana. Ela estava de mal humor, precisando encontrar conforto no que mais gostava de fazer, comer. Não fosse o macarrão seria outra comida, sendo o macarrão também seria outra comida. Agora, enquanto terminava de lavar os pratos, sonhava com um chocolate açucarado.

Só que na casa não tinha chocolate. Tinha um creme de leite aberto na geladeira e achocolatado na despensa, que ela pensou em misturar e comer de colher. Sentiu uma pitada de desespero em si mesma, como se estivesse pouco a pouco chegando no fundo do poço, e ficou ainda mais irritada. Abriu a geladeira e viu com alívio o fim de uma goiabada num pote esquecido. Se colocasse o creme por cima ficaria melhor, mais cara de sobremesa de verdade, menos cara de desespero por açúcar. Era isso.

Terminou de lavar os pratos do almoço e pegou um jogo de café para acompanhar a sobremesa. Colocou uma água para ferver na chaleira, separou o pó no coador de papel e colocou o resto da goiabada com creme de leite no prato. Era só uma da tarde mas decidiu que tomaria apenas uma xicrinha com leite, para não ficar muito ligada durante a madrugada. No dia anterior tinha tomado café puro naquele mesmo horário e passou horas até conseguir dormir. Melhor não arriscar.

Ela não sentia necessidade nenhuma de tomar um café para ajudar na digestão do almoço porque não tinha se empanturrado e não usava condimentos químicos para cozinhar. O café era mais um ritual, que a ajudava a encarar o computador ao voltar pro trabalho. Sua estação ficava logo ali, ao lado da bancada da cozinha, para onde ela dava olhares cheios de raiva e suspiros de arrependimento. Pensava no espaço do computador como uma prisão que a impedia de fazer tudo o que ainda queria fazer da vida.

Mas o que ela ainda queria fazer na vida? Ela também questionava a própria insatisfação. Tinha um trabalho onde podia ter uma dose de criatividade e que lhe dava conforto, apesar de se sentir castrada. Enquanto lembrava da negativa que recebeu do chefe, no dia anterior, sobre um material que tinha criado, colocava água no café. Ele não aceitava suas ideias mesmo que fossem boas, criticava tudo e dava um jeito de transformar numa criação só dele. “Se você quer tanto a minha função pequenininha, fique para você”, ela pensava. Iria então só seguir as ordens e parou, já há algum tempo, de fazer sugestões.

Pegou o doce, o café e foi para a frente da TV para assistir as notícias enquanto esperava dar o horário de voltar à prisão. Sabia que no momento que sentasse naquela cadeira procuraria outra coisa para fazer na cozinha para evitar continuar por tanto tempo encarando suas atividades. Quem sabe uma pipoca. Com certeza um chá.

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Larissa Seixas

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